quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Mau tempo no canal

“Iceberg 1”
(Mirandela, 16-12-2007)
© Miguel Portugal


“Iceberg 2”
(Mirandela, 16-12-2007)
© Miguel Portugal



“Enseada com iceberg”
(Mirandela, 16-12-2007)
© Miguel Portugal

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Será preciso queimar Platão?!

A propósito do homicida finlandês, que era um jovem apaixonado (talvez em demasia!) pela filosofia (via telegrapho de hermes), discute-se a pertinência da leitura d'A República de Platão. Alega-se que alguns dos seus leitores contemporâneos defendem um neoconservadorismo agressivo, munindo-se das fortes críticas platónicas à democracia para transpor para o presente a concepção hierarquizada de ordem e justiça da cidade ideal platónica.
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Paul Ricoeur chamou "filósofos da suspeita" a Marx, Nietzsche e Freud por terem radicalmente criticado o iluminismo (embora tais críticas só puderam ter surgido justamente numa cultura da racionalidade e da liberdade!). Ora, Platão talvez possa também ser apelidado de "filósofo da suspeita", uma vez que fez uma crítica profunda e séria da organização democrática ateniense do seu tempo, críticas essas ainda hoje fortes objecções à democracia. A queimar Platão, teríamos, pois, por maioria de razão, de aniquilar Marx, Nietzsche e Freud!
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Por esta ordem de razões, A República de Platão deve continuar a ser lida e as suas ideias reflectidas, pelo menos no intuito de alimentar uma constante análise contrapontística dos argumentos que sustentam outras teorias políticas actualmente actuantes, como o socialismo e o liberalismo. Não há teoria política séria que envolva uma reflexão sobre os temas centrais d'A República, como o da justiça distributiva, e a teoria da democracia não se pode furtar à análise das fortes objecções platónicas à organização democrática do Estado, sob pena da democracia não passar de um infundado dado adquirido, obnubilada por aparências enganadoras e castradoras do pensamento livre e racional, que possa, esse sim, encontrar justificações válidas para tal.
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Defender a leitura d'A República de Platão não é, necessariamente, defender o conservadorismo; é tão-só defender a continuidade da filosofia política.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Cimeira UE/África – a esperança possível

Se quisermos ser sérios, há, sobretudo, duas coisas a dizer:

1. há interesses económicos que mobilizam, agora desesperadamente, a Europa na direcção da (re)conquista de África;

2. a questão fundamental dos direitos humanos em África só poderá almejar uma solução por via diplomática, portanto, através do diálogo político.

Quanto ao primeiro ponto, é perfeitamente compreensível e aceitável que a UE reaja à “invasão” económica chinesa de África. A China, sem um pesado passado colonialista, tem hoje facilmente uma forte implementação económica no continente africano. A UE não poderia ficar a ver passar navios... E se, do ponto de vista ético, não parece muito correcto que os interesses económicos ombreiem sequer com os direitos humanos fundamentais daqueles que há muito cruelmente os não gozam, isto talvez seja uma mera aparência: se os interesses económicos europeus, através do aumento do investimento e implementação empresarial, se desenvolverem em África, então a economia dos países africanos também se desenvolverá e, assim, o emprego aumentará e serão melhoradas as condições de vida, pelo menos para algumas pessoas; logo, os interesses das empresas europeias também poderão ser os interesses dos povos africanos.

Quanto à ideia de que a questão dos direitos humanos em África apenas se resolverá com cimeiras quase (ou pelo menos aparentemente) impotentes, para não dizer quase hipócritas, como esta que agora terminou, tal ideia merece, contudo, mais atenção do que muitos críticos lhe têm concedido (embora se compreenda a força da indignação perante a realmente desumana situação de milhares de africanos, que há muito persiste; mas as emoções necessitam de alguma racionalidade, se desejarmos efectivamente resolver problemas tão complexos). É que a guerra já não é alternativa e o isolacionismo de costas voltadas já demonstrou ter consequências perversas, dado o efeito dominó que as crises e conflitos regionais têm no mapa geo-político de um mundo globalizado.

A solução que resta é a do diálogo, mesmo com ditadores cruéis, corruptos e politicamente responsáveis pela maior parte dos horríveis males que assolam os africanos. Há que insistir, com a paciência, a tolerância, mas também, naturalmente, com a firmeza e razoabilidade necessárias, na ideia de que os valores do Ocidente (designadamente, os direitos humanos) talvez tenham mesmo um caracter universal, no sentido de que possam ser efectivamente um mínimo denominador comum para que povos razoáveis, com as suas características culturais próprias, possam coabitar com base num arranjo político mínimo à escala planetária. E para tal é necessário dialogar em paridade com África, no respeito pelas suas autonomias políticas e culturais, embora sempre com uma grande capacidade e firmeza argumentativas, no sentido de convencer os governos a implementarem decididamente medidas que promovam, de facto, a dignidade humana no continente africano.

Assim, talvez a Europa – com os seus valores éticos e políticos – possa vir a salvar África. Ser europeu é acreditar na partilha desta axiologia universalista mínima.

Crime organizado? Violência impune? Não, está tudo bem!

Hoje, o debate mensal sobre a situação do país e a actuação do governo é sobre... educação? Segurança? É claro que a José Sócrates e ao seu modo propagandístico de governar lhe interessam os diplomas que entregou ontem às primeias 65 pessoas que tiveram, muito justamente, novas oportunidades para regressarem à escola, à formação, ao ensino e, portanto, a novas (re)qualificações. Neste pequeno aspecto da educação, nada a dizer, a não ser: esperemos que o processo de certificação de compotências ao nível do ensino secundário não nos continue a colocar a nós, como país, e aos diplomados em especial, em plano secundário comparativamente com as efectivas qualificações de outros diplomados de outros países da Europa (para já não falar de outros continentes)!

Mas é de segurança que a oposição deseja falar. E é de segurança que é necessário falar (embora tanto agora como sempre, infelizmente). E realmente a situação que se vive na noite portuense e gaiense mereceria outra atitude do governo, que está a adoptar uma postura ideologicamente etiquetada e, julga-se (ainda assim, mal) politicamente correcta, de não interferência e de permissividade. Para continuar a ser socialista, na pior das acepções, o governo de Sócrates não poderia ter uma postura, digamos, conservadora (embora noutros casos, não se coiba de o ter), assumindo a segurança como um dos pilares do Estado de direito!

A responsabilidade política do governo é, neste caso como noutros idênticos, não ter tomado uma posição que reafirmasse a autoridade do Estado, condenando os homicídios e sendo o primeiro a perceber -- senão com declarações explícitas nesse sentido, pelo menos com medidas extraordinárias consequentes e atempadas --, o fenómeno de crime organizado que começa literalmente a tomar conta das duas cidades em período nocturno (período que deve ser tão igualmente livre e seguro, para todos, como qualquer outro período do dia!) Ao invés, o governo perferiu, mais uma vez, a política fácil dos números estatísticos bem feitos e melhor interpretados, continuando a fazer passar a falsa ideia de que tudo está bem.

Mas esta é, pelo menos, uma actuação coerente, pois também, por exemplo, ao nível da educação (veja-se o relatório da OCDE) -- que também é um tema de fulcral importância actual -- tudo vai bem, embora aqueles que sabem, sabem que tal não é verdade, quer ao nível das efectivas qualificações dos alunos, quer ao nível justamente da segurança nas escolas, tema que também foi tratado com a mesma levianda e irresponsabilidade política.

A propaganda sofística ordena que tudo o que é mau, aos olhos deste governo, embora contra todas as evidências, está a diminuir!

sábado, 8 de dezembro de 2007

Morreu Karlheinz Stockhausen (22-08-1928 – 05-12-2007)

Ao lado de outros compositores de vanguarda, como John Cage, Bruno Maderna, Luciano Berio, Pierre Boulez e depois Steve Reich, Philip Glass ou Michael Nyman, Stockhausen pertence a um conjunto de compositores que reinventaram a música erudita contemporânea. (Para pormenores sobre a sua vida e obra veja-se, por exemplo, aqui e aqui).
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A obra de Stockhausen -- radical e polémica, embora bastante influente, não só na música erudita, como também no jazz e no pop -- é uma incursão criativa pela essência da sonoridade electro-acústica, em que a aleatoriedade, conjugada com o silêncio e o seu contraponto ruído (Stockhausen foi um dos grandes impulsionadores da noise music), lhe serviram de pano de fundo para uma das mais profundas obras-deambulações pelas paisagens sonoras, que nos atingem de forma brutalmente desconcertante, mas enaltecedora.

A música na mais arrebatadora das inspirações, que nos expiram e extasiam na nossa mais rica e polimórfica humanidade!


Memórias:


Ensaio da obra “Gruppen” para 3 orquestras, em Colónia, 1958. Trata-se da Cologne Radio Orchestra dirigida por Stockhausen (orquestra um, à esquerda), Bruno Maderna (orquestra dois, ao centro) e Pierre Boulez (orquestra três, à direita).
Fotografia: Archive of the Stockhausen Foundation for Music


Stockhausen no Studio for Electronic Music WDR, Colónia, Outubro de 1994, durante a produção de Electronic Music for FREITAG aus LICHT. Fotografia: Kathinka Pasveer

Stockhausen prepara-se para os Stockhausen Courses, Kuerten, 1998.
Fotografia: Kathinka Pasveer

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Menos violência escolar, que bom!

O Diário de Notícias publica hoje um estudo que revela que, apesar do indíce de violência nas escolas ter diminuído cerca de 36% relativamente ao ano lectivo de 2005/6, ainda assim registaram-se, em 2006/7, 185 casos de agressões a professores.

A Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, afirma muito simplesmente que Portugal «não tem um clima de violência nas escolas, mas problemas que se podem considerar raros e circunscritos que é preciso resolver»; os dados «são muito animadores» e fazem uma «distinção clara entre violência e indisciplina», o que «vai permitir definir programas direccionados» para resolver os casos mais problemáticos.

É claro que este discurso cor-de-rosa, descaradamente populista e imbecilizante, apesar de assente nos benditos dados estatísticos -- a política parece já não ser outra coisa, senão gestão retórica de dados! --, não mostra grande respeito pelas três partes envolvidas nesta questão da violência escolar:

1. os professores agredidos não se sentirão reconfortados nem esperançados com estas palavras;

2. os próprios alunos em questão, se as ouvissem, não alterariam nem uma vírgula (digo, murro!), bem como os seus encarregados de educação não hão-de vislumbrar nelas qualquer benefício para os seus educandos prevaricadores (violentos também em casa? vítimas de violência doméstica?);

3. e a própria sociedade fica a saber, não que a ME repudia veementemente os actos violentos e tudo fará para que seja mais eficaz a sua prevenção e sanção e que tudo fará para que aquelas famílias tenham um efectivo acompanhamento técnico para criar condições mínimas para as crianças e jovens poderem beneficiar de facto da (para eles, salvífica) escola, mas fica a saber apenas que: os dados são «animadores» (está toda a gente contente e feliz!); depois, cada vez mais esclarecidos, ficam a saber que uma coisa é indisciplina outra é violência (problema meio resolvido, com esta distinção conceptual!); e, claro, há por aí muitos iluminados, daqueles que fazem citações de citações e que talvez nunca tenham pisado o chão de uma aula com alunos problemáticos, a preparem já «programas direccionados»!!

Afinal, o senhor PGR, Pinto Monteiro, não será propriamente um enfant terrible e parece compreender-se perfeitamente o que quer dizer ao dizer que a ME tem «minimizado» o problema da violência escolar.

Em suma: em Portugal os professores continuam a deslocar-se para as escolas para, uns melhores do que outros naturalmente, poderem fazer uma das coisas civilizacionalmente mais importantes que é ensinar e, a qualquer momento, podem ser agredidos (estamos a imaginar o que será isto ou estamos friamente a pensar em números?!); e a ministra da tutela, o melhor que consegue fazer é manifestar o seu ânimo!

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Ainda a greve... para imbecis!

Mais uma greve, o mesmo de sempre: manifestação de profundo desagrado de pessoas desesperadas, abandonadas à precariedade sem regras e aos seus múltiplos flagelos sociais, psicológicos e culturais (o desalento diante do futuro não é apenas económico e social, mas também psicológico e cultural!); manipulação de resultados, por ambas as partes; inconsequência do acto de liberdade política, já que a obstinação autista do governo é, não restam dúvidas, de uma insensibilidade democrática que lembra até outros tempos.

Pense-se apenas nisto: por que razão (e não é daquelas que a razão desconhece, não senhor!) há uma tão imbecilizante discrepância quanto aos números de adesão à greve? Qual a necessidade de manipular os números? Por que razão as estruturas administrativos de um Estado de Direito (que expressão tão pomposa, tão politicamente correcta!) precisam de pressionar as instituições públicas no sentido de não veicularem informação aos jornalistas sobre o número de funcionários a aderir? Porquê a centralização da informação?! Serão os portugueses imbecis? Ou serão facilmente imbecilizáveis?! (A este propósito, vale a pena rir um pouco, pois o humor é uma virtude, um sinal claro de inteligência, um antídoto face a emoções fortes quando a indignação aperta e ainda um instrumento crítico valiosíssimo).

Tudo traços de um terceiro-mundismo crescente: insatisfação, desalento e cada vez menos capacidade crítica popular; manipulação de informação; totalitarismo disfarçado. E não nos esqueçamos que esta acefalia crescente da cidadania, que cada vez mais empobrece a capacidade crítica, atinge amplos sectores da sociedade, cujas pessoas parecem apenas almejar pouco esforço e muita alienação. Mas é isto que nos arrasta, como país, para o terceiro mundo social e cultural e não apenas económico!

Valha-nos a democracia!

Numa das teorias mais interessantes e influentes da democracia, Karl Popper defendia que o sistema democrático tem a virtualidade principal de possibilitar a substituição de um governo que deixe de governar sob a égide dos valores mais caros à sociedade aberta. Esta concepção negativa de democracia, salienta, pois, não o seu caracter absolutamente valioso, que o não terá, mas apresenta-a como um instrumento de regulação do poder político, que especifica de modo consciente a falibilidade do pensamento e da acção humana. Tal como a ciência só avança se houver um escrutínio crítico sobre a objectividade das suas teorias, assim também a sociedade aberta apenas será um facto se os cidadãos detiverem o poder de criticar as decisões e actuação dos governantes.

O principal argumento em defesa da democracia consiste, então, em afirmar que ela é o melhor sistema, não tanto por nela se tomarem melhores decisões do que noutros sistemas de governo (o que talvez não seja mesmo verdade!), mas porque há um valor intrínseco aos próprios processos democráticos. A democracia parece ser o único sistema de organização do Estado que dá expressão aos dois valores que nos são mais caros, que são a liberdade e a igualdade: a liberdade está relacionada com o facto de as pessoas terem uma palavra a dizer na tomada de decisões políticas; e a igualdade reside no facto de esta liberdade política ser concedida a todos.

Ora, é neste sentido que a democracia é, sem dúvida, o menos imperfeito dos sistemas imperfeitos de governação. Eis um exemplo claro disto mesmo: a maioria dos cidadãos venezuelanos reprovaram a tentativa de Hugo Chávez em atacar, precisamente, os fundamentos reguladores da falibilidade humana, que encerra o sistema democrático.

Se a democracia está doente na Venezuela, não está ainda morta!