quinta-feira, 26 de novembro de 2009


Leituras…
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…de John Gray, A Morte da Utopia e o Regresso das Religiões Apocalípticas, trad. port. Freitas e Silva (Lisboa: Guerra e Paz, 2008), uma obra tão lúcida quanto perturbadora, que coloca em causa alguns dos ideais mais influentes no Ocidente e nos obriga a reler a história das ideias e a repensar criticamente os fundamentos da nossa civilização, bebendo uma sempre benfazeja atitude céptica, que caracteriza o pensamento deste professor de Pensamento Europeu na London School of Economics.

A tese central de Gray é a da que a política moderna é um capítulo da história da Religião. A política da modernidade iluminista está marcada por grandes utopias – o comunismo, o nazismo e mesmo o humanismo liberal –, que o filósofo britânico chama de “religiões seculares”. Estas religiões seculares são teorias do progresso, mas, porque se baseiam mais na fé do que na razão, não deixam de ser mitos, que tentam responder à necessidade humana de sentido. E, apesar de defensor do liberalismo, Gray mostra como a tentativa, designadamente dos neo-conservadores por detrás do governo Bush, de impor a democracia liberal como regime político ao resto do mundo coloca em risco o próprio êxito do liberalismo («ao fazer a guerra para promover os seus valores, na realidade as sociedades liberais existentes são corrompidas» p.255). Afinal, no futuro como no passado, o mundo será governado por muitos tipos de regime e não apenas pelo sonho da bárbara e imposta hegemonia da democracia liberal universal, defende Gray.

Mas estas utopias morreram (Faluja e todo o fracasso da guerra do Iraque, simbolizam, para o autor, o último estertor do utopismo secular), a fé secular perdeu-se e estão a submergir versões primitivas de religiões apocalípticas. A morte da utopia deu lugar à religião apocalíptica, que reaparece como uma força na política mundial.

John Gray conclui com duas ideias centrais: um necessário regresso ao realismo, que não precisa de ser conservador (o utopismo tem que ser substituído pelo realismo); e a importância da religião, que é apresentada como uma necessidade genericamente humana e cujo ponto positivo é o facto, não de se apresentar como esperança de que o mistério seja revelado (erro das religiões reveladas!), mas de ser, no seu melhor, a melhor tentativa que é dada ao homem de lidar com o mistério enquanto mistério.

As utopias políticas modernas pretenderam ocupar o espaço de busca de sentido e desvelar o mistério, outrora função das religiões, e, naturalmente, não o conseguiram. O purgante não pode ser outro, segundo Gray, senão uma aceitação lúcida e céptica do realismo em política.

domingo, 22 de novembro de 2009

Agradecimento

Agradeço aos autores do site Manual Escolar 2.0, pela referência que fizeram, nos seus "blogues da educação - os links da semana", a este meu post sobre os desafios que Isabel Alçada tem pela frente para encontrar o necessário rumo na educação em Portugal.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Dia mundial da Filosofia

A UNESCO proclama, desde 2005, um dia Mundial para a Filosofia, que este ano se comemora hoje. Os “dias de” são sempre efémeros, artificiosos e podem transmitir a sensação de que, os restantes dias são dias banais, desprovidos daquela atitude, pensamento ou acção, que se comemora naquele dia. Comemorar hoje a Filosofia, numa época ainda carente de um mais alargado pensamento crítico, rigoroso e aprofundado, talvez não seja, ainda assim, má ideia.

O que se pretende é chamar a atenção para a necessidade de se reconhecer o papel antropológico e culturalmente determinante da produção filosófica desde os gregos antigos até aos nossos dias, bem como a premência de tal necessidade, tanto mais que vivemos hoje (mais) uma época de crise. Por outro lado, pretende-se com esta comemoração alertar para a relevância da aprendizagem dos conhecimentos e das competências especificamente filosóficas para a compreensão de si mesmo e do mundo que nos rodeia, aprendizagens estas que devem ser alargadas a um maior número de jovens em todo o mundo.

Hoje, temas como o terrorismo, os direitos humanos, os direitos de grupos étnicos e culturais, a tolerância, a essência da democracia, a justiça, a relação do homem com a natureza, a bioética, a mente humana e a possibilidade da sua replicação em máquinas, entre muitos outros, continuam a dar que pensar.

De facto, diante da tragédia ou do horror, do fracasso e da crise da humanidade há que exercer um pensamento crítico. É, aliás, a tragicidade da vida e o facto de a vida ser uma crise constante, que faz surgir a necessidade de pensar de forma crítica.

A filosofia é, por isso, hoje, mais do que nunca, uma profícua área do saber, com centros de investigação e reflexão em todas as maiores universidades do mundo (até o famoso M.I.T., a maior universidade tecnológica do mundo, tem um departamento de filosofia, no caso, de filosofia da mente!). As principais disciplinas filosóficas são procuradas por estudantes de outras licenciaturas nas grandes universidades americanas, inglesas ou australianas, pois cresce a necessidade de compreender mais profundamente o mundo e a consciência de que só uma abordagem filosófica o permitirá. Até grandes empresas procuram recrutar licenciados em filosofia, dada a crescente necessidade de colaboradores capacitados e treinados para pensar nas melhores soluções comerciais, organizacionais ou estratégicas.

A Filosofia vive, ela própria, as suas próprias crises. As crises da filosofia são as crises da humanidade. Mas, apesar de todas as crises, que a possam colocar em causa, a filosofia é sempre uma necessidade e uma esperança para a humanidade. Como disse o filósofo alemão Karl Jaspers, numa palestra radiofónica em 1950, «filosofar significa estar-a-caminho». Caminhemos, pois!

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

De volta ao realismo em educação?

O Diário Económico adianta que a Ministra da Educação, Isabel Alçada, se prepara para "deixar cair" a divisão da carreira docente em professor e professor titular. Politicamente oportuno, já que pretende esvaziar o mais possível as iniciativas parlamentares de suspensão do modelo de avaliação vigente. Parece também ser um acto político de aproximação do PS à negociação com outros partidos, imperioso para o momento que atravessamos, já que poderá ter havido um acordo com o PSD, que propõe, de modo compreensivelmente equilibrado, diga-se, uma "substituição" do actual modelo de avaliação, em vez da pesada "suspensão", muito mais doloroso para o governo de Sócrates e que não deixaria de, sejamos realistas, criar um "buraco" legislativo nada útil para a obtençã dos resultados que se espera -- a pacificação dos professores e o serenar da vida das escolas.
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É um bom começo para aquilo que se espera ser, efectivamente, uma nova fase no exercício de funções governativas em Portugal, em área tão delicada e sócio-económico-culturalmente tão fulcral para a nossa situação endémica actual, como é a educação. A extinção da divisão da carreira é mesmo o primeiro passo cine qua non a reflexão e negociação do modelo de avaliação não seria possível. E nisto o projecto do PSD revela bom senso e sentido de realismo: abertura aos professores para desempenhar cargos de coordenação/chefia intermédia. (Seria bom que tais cargos, por nomeação do Director, fossem acrescidos de incentivo remuneratório suplementar, enquanto em exercício de tais funções, e que houvesse a possibilidade de o professor em causa ser, naturalmente, substituido em tais funções, pelo Director, sempre que não as cumprisse como seria desejável.)
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Depois de tanto tempo perdido com experimentalismos arrogantes e teimosia ignóbil, talvez tenha chegado a hora de recomeçar a falar de política educativa em Portugal. Aguarda-se a verdadeiramente importante discussão sobre a qualidade do ensino em Portugal, as estratégias para o futuro e sobre a, em alguns casos, verdadeira revolução que urge fazer ao nível das orientações pedagógicas que atolaram a escola pública e a transformaram, tantas vezes, em local de entretenimento e tutoria dos juvenis, no lugar de espaço e tempo de ensino genuino.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

"Avaliar o Ministério da Educação", ontem, no Público

O jornal Público publicou, ontem, na secção de "Cartas ao Director", o meu texto crítico de um documento enviado para as escolas pela Direcção-Geral da Inovação e Desenvolvimento Curricular, supostamente para regulamentar a lei que implementa a educação sexual nas escolas. Esperemos que se comece a ser um pouco mais exigente na qualidade das políticas educativas e da direcção da educação em Portugal. Até para dirigir é preciso saber.

domingo, 15 de novembro de 2009

Ignorância, Tua! Interesses... deles!

O belíssimo documentário de Jorge Pelicano, “Pare, escute, olhe”, sobre a linha do Tua, ontem visto por uma sala cheia, em Mirandela, mostra, magistralmente, algumas das questões centrais que estão em jogo na apressada e monológica construção da barragem do Foz-Tua:

1. A beleza da paisagem que se poderia desfrutar do comboio que serpenteava aquele vale magnífico é, de facto, uma experiência humana plena de sentido e única (apenas quem teve a fortuna de ter feito tal viagem o poderá, efectivamente, compreender);

2. A potencialidade turística da linha muito bem contrastada com o que se faz, por exemplo, nos Alpes suíços (que envergonha os mais conscientes), que traria uma mais valia económica para o país (mais turistas a entrar em Portugal) e, sobretudo, para o interior transmontano há muito perfidamente esquecido pelo poder central, dinamizando a economia local a vários níveis (se juntarmos a isto a ligação de Mirandela a Bragança e o facto de, assim, se ficar a 30 kms. de uma linha de alta velocidade espanhola…!);

3. Trata-se de uma decisão política que, apesar de, naturalmente, parecer ter em conta o interesse público, o bem comum, faz, no entanto, tábua rasa de um conjunto de pessoas que, de facto, viviam as suas vidas empobrecidas em torno daquela linha férrea, o que, eticamente, é, no mínimo, discutível;

4. Os acidentes trágicos sucederam-se apenas no último dos 120 anos da sua existência, o que levanta fortes suspeitas de grave crime por negligência;

5. A construção da barragem é de supremo interesse para a EDP e para as grandes empresas de construção civil e servirá ao país, quando muito, para contribuir para um aumento de apenas 3% de produção de energia e para as populações locais irem à pesca (a irrigação de uma agricultura em agonia, abandonada, não será vantagem de monta);

6. As grandes contradições que assombram o pensamento da generalidade dos nossos políticos, que, nos últimos anos, se têm pronunciado acerca da linha do Tua.

O documentário é uma excelente introdução aos problemas sociais, políticos e culturais que teimam em marcar o Portugal contemporâneo. A opção estética algo hiperbolizada de “filme negro” acaba por mostrar a inevitabilidade da decisão política e a inoperância e falta de poder efectivo das populações num regime democrático mal interpretado pelos seus protagonistas de uma forma autoritarista, falsamente elitista e que remete, em última análise, para o facto dos eleitores terem a responsabilidade última -- afinal, talvez fosse bom não votar, abstermo-nos, e requerer uma transformação em mandatos (de cadeira vazia) na Assembleia da República dessa intenção de voto!
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São, pois, os interesses económicos das grandes empresas, os interesses eleitoralistas dos decisores políticos que lideram o país e, obviamente também, a sua ignorância acerca de uma estratégia de médio e longo prazo para o país (porque não lêem, não se informam e, qual tique totalitarista e autoritarista de outros tempos, não ouvem quem sabe) que estão na base da decisão política de pensamento unilateral, pobre e de vistas curtas da construção desta, como doutras, barragens.

Até o grande único bom argumento para construir a barragem – que obviaria ao problema de escassez de água, por não termos em Portugal grandes nascentes de rios, ao contrário de Espanha –, está a ser impugnado pela Comissão Europeia, por o plano português de barragens não estar a salvaguardar a futuramente vital qualidade da água com a construção das barragens projectadas!

É incompetência, é ignorância, Tua! São interesses… que não, efectivamente, os nossos!

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

"Limpar a casa" (a escola)?

Isabel Alçada, a nova Ministra da Educação, apresenta um caderno de encargos, digamos, pesado, já que aparenta querer "limpar" muito do que tem prejudicado o trabalho dos professores nas escolas, antecipando-se a iniciativas parlamentares dos partidos da oposição, que têm esse ónus político: quer alterar o modelo de avaliação de professores (entre outros, desburocratizando-o e premiando, de algum modo, os mais competentes em termos de progressão na carreira); quer alterar o estatuto do aluno; quer "mexer" nos horários dos professores; e quer mesmo estabelecer objectivos mínimos («padrões») de aprendizagem para os alunos no final de cada ano escolar. (Veja-se, por exemplo, no i ou no Público.)
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A questão da avaliação de professores envolve a questão da estrutura da carreira e, nesta matéria, há dificuldades enormes e um debate de princípios a fazer-se. Quanto aos pormenores, ninguém contesta a evidente justeza de tais correcções: desburocratizar é tão obviamente bom que só mesmo a mais básica teimosia não o vislumbrava; o estatuto do aluno é uma das obras de arte da pedagogia romântica abstrusa, que, sem necessitar de pôr em causa o princípio de conceder mais uma (duas, três e quatro... talvez já não!) oportunidade ao aluno faltoso, por exemplo, deve ser simplificado; a sobrecarga de trabalho dos professores não directamente relevante para as melhorias da aprendizagem efectiva dos alunos deve ser lucidamente abolido; e o estabelecimento sério de objectivos mínimos de aprendizagem é uma necessidade para a sobrevivência da escola como instituição de importância vital para a sociedade, coisa que obrigará a introduzir, com toda a naturalidade, mas de forma séria e rigorosa, instrumentos de avaliação final, como os exames.
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Saliente-se a aparente lucidez, informação e com toda a certeza resultado da sua formação académica desinteressada, reflexiva e crítica, quando se referiu à questão, central, da autoridade: «As pessoas têm de pensar que os professores têm 24 meninos ou jovens como aquele que têm em casa numa sala de aula»; «os adultos esquecem[-se] que educar é fazer valer a autoridade». Leia-se, naturalmente, que a autoridade pressupõe saber e exemplaridade e isso é uma prerrogativa tão exigível para pais como para professores; as regras na escola devem permitir exercê-la (pelos pais e pelos professores).
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Coragem e prudência, um pouco de realismo e mais competência (política e técnica) é o que se deseja e se espera, finalmente, de Isabel Alçada. Veremos se será mesmo uma actuação de limpeza da ideia romântica e construtivista ingénua de escola, levado ao paroxismo pelo último governo socialista. Urge repor o equilíbrio, o rigor e o realismo na forma como se deve enfrentar os verdadeiros problemas do ensino em Portugal.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

"Curtas" sobre a água, em Mirandela

Decorrerá, de amanhã a domingo, no Centro Cultural de Mirandela o “Cine H2O”, o I Festival Ibérico de Imagens. Oportunidade para visionar curtas metragens sobre tema actualíssimo, já que o problema das limitações dos recursos hídricos, em articulação com as exigentes condições ambientais e ecológicas, assomará, ao lado dos problemas energéticos, como um dos grandes problemas (senão o principal) de sobrevivência da espécie humana.
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Destaque, naturalmente, para o galardoado "Pare, escute, olhe", de Jorge Pelicano, no Sábado às 17:00, seguido de debate com Jorge Pelicano, Rosa Silva, Pedro Couteiro (COAGRET), Daniel Conde e convidados. (Repete às 21:30).
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(Para o programa completo, veja-se aqui).

Bons exemplos



No sítio oficial da Assembleia da República, na secção destinada ao jogo “Parlamento dos Jovens” – iniciativa importantíssima de educação para a cidadania em parceria com o ME –, encontra-se um “Guia para o Professor”, orientador da actividade a implementar nas escolas. A abrir o “Guia” há uma ligação para uma apresentação esquemática (em Power Point), na qual, a páginas tantas (3.ª fase, sessão nacional"), se pode ler que os eleitos «provêem de votação nas escolas».

A autora – coordenadora nacional do projecto – deveria ter escrito “provêm”, terceira pessoa do plural do presente do indicativo do verbo provir, e não grafar erradamente a terceira pessoa do plural do presente do indicativo do verbo prover (“provêem”), cujo significado é, naturalmente, completamente diferente. Indistinção muito comum, desafortunadamente, entre os mais competentes usuários da língua, sobremaneira profícua quando se trata dos verbos vir e ver, com a mesma terminação diabólica (“vêm” e “vêem”, respectivamente).

Acontece! – dir-se-ia na parcimoniosa e por vezes simplória forma de estar portuguesa. Não pode acontecer quando o nível é/deve ser elevado, a origem é um órgão de soberania de um país civilizado a actuar em coordenação com um Ministério da Educação, quando um dos objectivos da iniciativa é «estimular a capacidade de expressão e argumentação» dos jovens e quando os destinatários do documento são professores, dos quais se exige (entre outras) o exercício correcto da competência linguística entre os seus pares e, sobremaneira, diante dos seus alunos (agora, os candidatos a professores até têm, e bem, de se submeter a prova de avaliação de competências linguísticas para aceder à profissão!). Aconteceu, porque faltou o cuidado devido na execução do documento de trabalho em análise, o que revela alguma, naturalmente tácita, falta de respeito institucional pelos destinatários, que, no mínimo, perturba a comunicação, mas que certamente desincentiva o tão necessário rigor.

Talvez fosse desejável, senão exigível, prover de maior competência as actividades directivas das instituições do Estado e aumentar a qualidade dos documentos que delas provêm. Os bons exemplos seriam bem-vindos... de cima!

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Avaliar o Ministério da Educação

Neste início de ano lectivo, os professores receberam, a par de legislação, uma proposta de conteúdos mínimos para a “área” de educação sexual nas escolas, lavrada pela Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular. O capítulo referente ao ensino secundário começa assim:

«Sem prejuízo dos conteúdos já enunciados no 3.º Ciclo, sempre que se entenda necessário, tanto mais que a experiência demonstra as vantagens em que se voltar novamente a abordá-los e um número expressivo de alunos nesta fase de estudos já iniciou a respectiva vida sexual activa, devem retomar-se temas previamente abordados.»

Será admissível enviar para as escolas um texto com a frase «(…) a experiência demonstra as vantagens em que se voltar novamente a abordá-los (…)»? Mas mesmo abstraindo desta, no mínimo, incúria laboral, ainda assim cabe perguntar que tipo de acção é visada com a expressão directiva «sem prejuízo dos conteúdos já enunciados no 3.º Ciclo (…) devem retomar-se temas previamente abordados»? “Sem prejuízo” significa sem prejudicar, sem colocar em causa, sem contradizer os «conteúdos já enunciados no 3.º Ciclo». Faz algum sentido supor que se possam abordar novamente temas anteriormente abordados, prejudicando a abordagem inicial, colocando-a em causa, contradizendo-a?! Trata-se, pois, de um enunciado pedagogicamente sem sentido.

Ter-se-ia querido escrever qualquer coisa como «Sempre que se entenda necessário, devem retomar-se conteúdos enunciados para o 3.º Ciclo, uma vez que a experiência demonstra ser vantajoso voltar novamente a abordá-los, tanto mais que um número expressivo de alunos nesta fase de estudos já iniciou a respectiva vida sexual activa»? Como se sabe, a expressão “tanto mais que” utiliza-se, com verdadeiro sentido, depois de elencar alguma ou algumas razões e se pretende acrescentar, salientando-a, uma outra e não para começar a enumerar razões!

A linguagem tem a sua própria lógica (a sintaxe), que, caso não seja devidamente observada na construção frásica, promove a incompreensão e não, como é sua finalidade, a compreensão do discurso.

Ao invés de um texto com conteúdo verdadeiramente directivo, informativo e reflexivo – como a delicadeza do tema exigia –, a insigne delegação do ME faz chegar às escolas um texto frio, que se limita a elencar propostas programáticas, articuladas com erros de sintaxe, um “estilo” linguisticamente sofrível e com uma vaguidade característica de quem não se quer comprometer com uma programação séria e rigorosa de conteúdos nesta nova área disciplinar. Será uma peça de inovação educativa? Não. Ou é falta de competência linguístico-discursiva ou é falta de coragem para assumir uma posição clara acerca do assunto. Ainda assim, talvez seja mais provável a segunda hipótese: é mais fácil deixar na vaguidade algo de que não se sabe muito – os professores que resolvam o mais difícil, que é elaborar um programa para a educação sexual e implementar concretamente, de modo exequível, equilibrado e sem prejuízo do normal desenvolvimento das áreas curriculares disciplinares, o que não passa de belas intenções políticas, mais simplesmente copiadas (de outros países) do que verdadeiramente reflectidas.

Um texto oportuno, com verdadeiro sentido profissional de direcção educativa e com conteúdo prestimoso para os docentes seria um texto que enquadrasse as propostas programáticas num convite à reflexão, que incluísse, entre outros, tópicos (que até poderiam ser mais desenvolvidos) como:

a) a necessidade de atender às inúmeras nuances da educação sexual, para evitar que esta possa vir a ser contraproducente;
b) o cuidado necessário na escolha dos educadores, processo que, tratando-se de área tão sensível e íntima, pode erigir-se como um problema;
e mesmo, naturalmente,
c) a consciência de que os modelos de educação sexual aplicados nalguns países não têm mostrado os resultados teóricos esperados.

Os professores teriam, assim, na sua posse um documento de qualidade, que os colocaria em melhor posição para iniciar a sua árdua tarefa de construir projectos programáticos para implementar uma educação sexual séria e prudente.

Nos últimos quatro anos, a par deste documento qualitativamente insuficiente, outros têm chegado em catadupa às escolas. Tratando-se de documentos de trabalho, de teor directivo, requerer-se-ia mais rigor linguístico, mais clareza no discurso e plenitude de conteúdo. Afinal, o objectivo é comunicar directivas, orientações para a acção. Com o ímpeto avaliativo que se vive na nossa sociedade, qual sôfrego elixir salvífico para as nossas dores crónicas, talvez fosse conveniente (e consistente) começar por avaliar os serviços prestados e mesmo, em última análise, a pertinência de certas instituições estatais, como é o caso, por exemplo, das Direcções Gerais e Regionais de Educação, quando elas próprias fazem parte da cúpula responsável de onde dimanam as directivas. Até para dirigir é preciso saber.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Religião, liberdade e igualdade

«Os verdadeiros adoradores adorarão o Pai
em espírito e em verdade» (João 4:23)
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O problema da exibição de símbolos religiosos em escolas públicas é o de saber se um espaço público, como uma escola, deve ou não ostentar formas que possam, de algum modo, interferir ilegitimamente na liberdade religiosa dos indivíduos e no tratamento igual, por parte do Estado, de cultos religiosos.
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A civilização ocidental, ao contrário de outras, começou, de certo modo, por responder a este problema desde o seu berço, na Grécia Antiga, quando os primeiros filósofos fizeram a crítica dos seus mitos, através do uso livre e desinteressado da razão. A esse processo histórico que consiste na separação entre a religião e a política, ciência, artes e ofícios, entre a fé e a razão, chama-se processo de secularização – dar ao Homem (ad seculum) a possibilidade de organizar e orientar a sua vida terrena de modo livre e racional, deixando a dimensão espiritual da contemplação do divino entregue à religião.

Ora, tal significa que se promove, não a destruição de qualquer tipo de actividade contemplativa da divindade, mas sim uma separação entre duas esferas distintas da consciência, do pensamento e da acção humana. O que significa que a mesma gesta cultural que foi capaz de fazer a crítica dos seus mitos fundacionais, teológicos e salvíficos foi também capaz de arguir em favor de uma virtude ético-política central, como é a tolerância. Separar religião e política, religião e ciência, fé e razão não implica necessariamente qualquer forma de negação de qualquer das esferas da existência humana. A tolerância, designadamente religiosa, é, pelo contrário, a virtude de, em geral, aceitar outras crenças religiosas diferentes, inclusive a ausência delas, como o ateísmo.

Há, pois, dois tipos de razões para defender a tese segundo a qual o espaço público, não especificamente religioso, deve evitar ostentar símbolos religiosos (aliás, do mesmo modo que deve evitar, por exemplo, símbolos político-partidários):

1) a ostentação de símbolos que remetam para concepções religiosas ou modos de vida culturalmente específicos é já, por si só, uma forma de persuasão, portanto de convencimento de alguém a aderir a um determinado conjunto de ideias, ideais ou crenças e tal pode ser lesivo da liberdade individual de consciência, de pensamento e, no caso concreto, da liberdade religiosa;

2) e tal ostentação pode colocar em causa a isenção do Estado perante as várias confissões religiosas e, portanto, colocar em risco o princípio da igualdade de tratamento de grupos culturais, religiosos ou políticos.

A razão de ser da existência do Estado moderno, secular, democrático e liberal é, antes de mais, a protecção das liberdades individuais (liberdade religiosa incluída) e a não promoção de qualquer ideal religioso em particular, sob pena de destruir dois dos pilares ético-políticos fulcrais da cultura ocidental: liberdade e igualdade.

Assim, no caso particular de uma escola, que existe – segundo a melhor tradição da filosofia liberal da educação – para ensinar, fazer aprender e, em última análise, mostrar aos alunos o universo do saber humano, a ostentação de símbolos religiosos ou outros de teor idêntico pode constituir uma forma ilegítima de persuasão sobre o indivíduo e uma forma de tratamento preferencial de um dado culto religioso, por muito influente e fundamental que tal seja na estruturação da nossa cultura. A escola deve partilhar, demonstrar e até convencer; mas deve evitar a manipulação persuasiva no sentido de orientar os alunos para uma determinada tendência religiosa ou político-partidária. De facto, poderíamos admitir que, tal como numa boa escola os laboratórios de Física e de Química devem conter instrumentário científico adequado, também uma hipotética sala de Religião e Moral deveria conter símbolos religiosos de uso didáctico. Mas daí não se segue que seja defensável que outros espaços das escolas devam exibir símbolos religiosos (bem como político-partidários), isto se pretendermos ser consistentes com aqueles valores fundacionais da nossa civilização; caso contrário, teríamos de demonstrar a sua falsidade ou desvalor.

Em suma, as escolas não devem ostentar símbolos religiosos, pela mesma razão que não deveriam ostentar, a havê-los, símbolos ateístas – a fim de preservarem, cultivarem e partilharem, acima de tudo, os valores ético-políticos fundamentais da liberdade e igualdade, que fundam uma mais justa organização da vida pública.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Educação sexual "simplex"

Ensino da sexualidade pode ser prejudicial, diz o sexólogo Nuno Monteiro Pereira, a propósito das V Jornadas de Sexologia da Universidade Lusófona. Novidade! Pois pode. Será um conservador? A sexologia, uma ciência conservadora?! Não, infelizmente as coisas não são tão simples assim (leiam-se as razões invocadas pelo especialista, no link em cima).
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Sobretudo se for implementada demasiado rapidamente, por decisão e interesse meramente político-ideológico e sem pensar, sem reflectir profundamente em toda a sua complexidade, a educação sexual pode muito bem ser mais uma aventura pedagógica deste governo socialista, com consequências nefastas. Antes de agir em área tão delicada e social e antropologicamente importante seria bom pensar um pouco mais e melhor. Até pode ser importante avançar com tal intervenção educativa nas escolas e boas razões há para tal. Mas nunca com a pressa e alguma quase leviana falta de competência com que as directivas estão a chegar às escolas.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Debate sobre política educativa

Iniciou-se às 10:30, na AR, um debate sobre política educativa, promovido pelo Grupo Parlamentar do PSD, com a presença de Santana Castilho, Mário Nogueira e João Dias da Silva, entre outros. Leia-se o texto oferecido aos presentes por Santana Castilho, que abriu o debate, aqui: profundamente lúcido e arrasadoramente crítico.
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P.S.: Segundo a agência Lusa, o Prof. Santana Castilho terá afirmado mesmo que este modelo socialista de avaliação de professores é «medíocre e humanamente desprezível».
(Post alterado às 14:35)

Avaliação dos professores só pode ser suspensa

O Ministro dos Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão, afirma que a avaliação dos professores não é para suspender. O governo, coisa curiosa, está disposto apenas a aperfeiçoar o modelo existente (se são detentores da verdade, não se compreende como se pode aperfeiçoar coisa por eles feita!). Mais simplex, portanto. Até porque, alega Lacão, a suspensão criaria um problema jurídico-constitucional.
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Ponto um: a lucidez política é condição sine qua non para governar qualquer país civilizado, habitado por cidadãos minimamente esclarecidos; contando que este pequeno governo socialista ainda detenha tal virtude, espera-se que compreendam que muito do atoleiro legislativo, que supostamente orienta pedagogicamente as escolas, terá, irremediavelmente e mais cedo ou mais tarde, de ser abolido, sob pena de a escola nunca mais voltar a ser um local onde se ensina e se aprende; a dita avaliação de professores é um dos primeiros castelos de areia a ter de ser substituído; só suspendendo legalmente este sistema de avaliação se poderá, efectivamente, ab ovo, edificar um verdadeiro sistema de avaliação de professores, mais justo, mais rigoroso, menos burocrático, menos exaustivo, com verdadeiras preocupações avaliativas e aperfeiçoadoras do sistema e não meramente economicistas.
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Ponto dois: o sr. dr. Jorge Lacão, ao "atirar" com o imbróglio jurídico-constitucional, deveria ter pensado, a priori, no pântano político que se vive nas escolas, depois dos tentáculos do eduquês e do romantismo construtivista ingénuo terem invadido completamente as escolas de há quatro anos para cá; a haver problema jurídico decorrente de alguns professores terem sido avaliados e outros não (no fundo, só foram, ainda assim, aqueles que requereram aulas assistidas! A outra avaliação foi muito diferente da ordenada por Alberto João Jardim na Madeira?), a responsabilidade é do PS de José Sócrates, que promoveu, rejubilante, o depauperamento pedagógico das escolas, limitando-se a redefinir a carreira dos docentes e a sobrecarregá-los irresponsavelmente com um pesado e incompetente modelo de avaliação apenas com o intuito de cortar na despesa; no entanto, atirar com este problema jurídico é apenas uma falácia ad terrorem, trata-se de assustar as pessoas quando se não tem boas razões para impedir a suspensão do modelo de avaliação e se pretende continuar a minar esse pilar fundamental de qualquer sociedade, como é a escola.
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Ponto três: continua o "piscar de olhos" ao PP de Paulo Portas, cuja proposta de aproximar o modelo de avaliação das escolas públicas ao das escolas privadas não é de excluir; mas, do ponto de vista político, é preciso não esquecer que tal modelo proposto pelo PP não tem qualquer equivalência, na filosofia que o funda, com o modelo do PS; mesmo para propor o modelo das escolas privadas, haveria sempre que suspender o actual modelo do PS.
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Em suma: manda a mais elementar lucidez política perceber que as escolas jamais funcionarão sem que os professores se sintam minimamente consonantes com um modelo que realmente avalie o seu importantíssimo trabalho e, para isso, é necessário começar por suspender o actual modelo; para resolver o problema político de total ausência de reconhecimento político dos professores e das escolas nestas políticas socialistas, muito mais importante que o suposto problema jurídico-constitucional decorrente da suspensão, que neste momento é um argumento completamente falacioso, há que suspender o actual modelo de avaliação; e, mesmo que o PS esteja interessado, como é sua obrigação, numa resolução negociada do problema, tal passará sempre pelo primeiro passo consistir na suspensão incondicional do actual modelo.

Adeus, Margarida

Margarida Moreira foi substituída por António Leite na Direcção Regional de Educação do Norte. Que pena! Como vamos poder agora exercitar os nossos dotes exegéticos a tentar ler os seus emails, peças vetustas de comunicação institucional? E como viver agora nas escolas, sem aquele receio (pois medo não se pode dizer) que sentiam os nossos pais por pensarem diferente? Os professores do Norte do país estão já em depressiva saudade, tamanho era o reconhecimento do trabalho de mérito, competência e humanismo, para não dizer das qualidades especificamente pedagógicas de Margarida, como a capacidade de expressão escrita, de comunicação, de diálogo com os seus pares e, sobretudo, de consciência democrática e espírito de serviço público.
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Porém, ao que parece, não haverá ruptura, mas continuidade. Ainda assim, espera-se que o actual Director não cai no ridículo, que afundou a sua antecessora num loudaçal político inaudito, e procure, com mais afinco, tentar navegar na doca seca do eduquês, que lhe vem da 5 de Outubro. Pois, não é fácil. Só com uma ruptura substancial.

domingo, 1 de novembro de 2009

O minimalismo de Reich no CCB

Está neste momento a acontecer no CCB um concerto pela banda "Bang on a Can All Stars" (conjunto híbrido, a meio caminho entre o ensemble de câmara e a banda rock, fundado em 1987 pelos compositores Michael Gordon, David Lang e Julia Wolfe), que revisita algumas das mais importantes obras do compositor norte-americano Steve Reich, compostas entre os finais da década de 1960 e os anos 80.
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Além de Michael Nyman, Philip Glass ou Terry Reily, Steve Reich é um dos expoentes do minimalismo, corrente musical que nasceu no movimento de vanguarda dos anos sessenta e setenta, e é também ainda hoje um dos seus mais convictos defensores como música original e com maior presença na cena concertante erudita contemporânea, dada a sua consciente e assumida abertura e influência na música popular, como o Pop/rock ou o Jazz. Reich não hesita em relativizar o valor artístico das aventuras dodecafonistas de Schöenberg e o serialismo de Boulez e em reafirmar, como o fez recentemente ao Público, que «o minimalismo foi a corrente mais importante dos últimos 50 anos».